Uma homenagem à mulher-mãe!

"E num dia de bendita magia, numa explosão de luz e flor, num parto sadio e sem dor, é capaz, bem capaz, que uma mulher da minha terra consiga parir a paz. Benditas mulheres." Rose Busko

Relato do nascimento da Valentina

Meu nome é Rebecca e esse é o relato do meu parto 48h após o nascimento da minha filha, em 24 de outubro de 2014.

Eu tive meu primeiro filho em 04 de maio de 2013. Sempre desejei ter um parto normal, mas não aconteceu. Cai na mão de uma cesárea desnecessária com uma obstetra que cada dia que passa eu ouço mais e mais histórias escabrosas dela que me fazem na verdade dar graças a Deus de ter sido enganada e de ter sido convencida tão facilmente a fazer uma cesárea. Porque cada relato que eu escuto de um parto normal com a Dra I.N.B. eu fico chocada, pela arbitrariedade, pela grosseria, pela falta de conhecimento e pelo risco a que ela submete às pacientes que insistem em ter normal. Então apesar do meu primeiro filho ter nascido de uma cesariana em processo de cura, cada dia que passa eu dou graças a Deus de ter sido uma cesariana bem sucedida, sem intercorrências. Porque cair na mão de um açougueiro de parto normal também é muito ruim.  Isso foi meu primeiro “parto”.

Quando eu me vi grávida de novo, durante a amamentação do meu primeiro filho, decidi que meu segundo parto ia ser um parto diferente. Ia ser um parto onde eu teria mais informação, mais poder, mais domínio. Mas reconhecendo a fragilidade do momento do parto - porque o momento do parto é um momento que a gente tá muito fraco, muito frágil, eu optei por contratar uma profissional que me acompanhasse. Entrei em blogs na internet, conversei com amigas que tinham trilhado esse mesmo caminho e fui a alguns grupos de gestantes, foi onde eu conheci a Cátia Carvalho que me passou muita segurança e eu acabei optando por contratar os serviços dela. 

Falo de contratar os serviços porque existe o amor à causa? existe - existe a militância? existe, mas são profissionais. Executam um trabalho e esse trabalho tem que ser remunerado, tem que ser reconhecido. Então, é um serviço contratado. 

E ai durante todo processo da gravidez eu li, eu me informei e eu sempre tive outra preocupação: de não abrir falência – de não ficar pobre. Porque eu admito e também reconheço que esse mercado do parto normal natural humanizado virou um mercado de luxo.

Muitas mulheres entram nessa pela questão científica, pela questão médica, técnica: “ah, é melhor pra mãe e melhor pro bebê”. Outras pessoas embarcam nessa pelos vídeos que tem na internet de nascimento com fundo musical fofinho e romântico que tem uma edição maravilhosa onde às vezes 18h de trabalho de parto passam em 15 minutos. E ai você acha lindo e fala “eu quero isso pra mim”. E a maioria dessas coisas não são reais... não é bonito, não é romântico. E também não é barato - se você quiser ter uma boa equipe do seu lado. Se você quiser ir pro SUS hoje tá muito mais difícil porque o digníssimo secretário municipal de saúde do Rio de Janeiro, que é a única cidade do Grande Rio que realmente tem hospitais que tratam com alguma dignidade a mulher, fez o favor de proibir a atuação de doulas em hospitais* e você não consegue nada próximo disso em Itaboraí, São Gonçalo, Niterói, Duque de Caxias, etc. Um parto menos intervencionista, mas ainda não é o parto baseado em evidências que se espera. 

Então quando eu comecei meu pré-natal foi até engraçado porque a minha confiança em médico de plano de saúde tinha ido a menos um, então fiz o meu pré-natal pelo SUS e pelo plano. Já que o pré-natal pelo plano era tão somente para o pré-natal, porque no começo eu não tinha esperança nenhuma de fazer meu parto com médico do plano, eu escolhi um médico q estivesse próximo do meu trabalho. E nisso eu logrei êxito. Fiz o meu pré-natal com a Dra N.P.N.S. e simultaneamente fiz meu pré-natal pelo SUS. Porque como minha intenção era ter minha filha num hospital do SUS, que eu tivesse o cartão de gestante e tudo como manda o protocolo do SUS. 

Cai na mão da Dra N. que tinha feito alguns partos bacanas, umas experiências positivas, e por alguns instantes eu realmente considerei a possibilidade de ter minha filha com ela. Afinal de contas era a médica do plano. E fui fazendo o pré-natal simultaneamente. Até q por volta da 25ª/26ª semana, começou a ter um burburinho de histórias muito estranhas da Dra N. Toque sem necessidade, descolamento de membranas, intervenções mal sucedidas, não esperar o tempo das coisas, e isso tudo foi fazendo com que, na 33ª semana eu abandonasse a Dra N. depois de um exame de toque desnecessário. Numa consulta, ela falou que ia fazer o exame de toque, e eu perguntei por que, já que não tinha nenhuma indicação clinica: eu não sentia dor, eu não tinha sangramentos, minha secreção estava normal, não havia nada que justificasse clinicamente a necessidade do exame de toque. E ela tão somente me respondeu que ia sair de férias e queria ir tranquila. Bom, que diferença ia fazer se estivesse tudo certo ou tudo errado – ela não ia cancelar a viagem mesmo. Não ia fazer diferença nenhuma na vida dela se tivesse alguma coisa errada. Ela não ia cancelar a viagem por causa de uma paciente. Então cada vez que eu penso nisso eu acho mais absurda ainda a resposta que ela me deu. Desse dia em diante eu abandonei o pré-natal pelo plano de saúde e fiquei só com o pré-natal do SUS num posto de médico de família próximo a minha casa.

E ai foi muito engraçado porque eu abandonei a médica do plano e a médica do SUS que estava fazendo meu pré-natal, Dra A.C., me abandonou. Pediu transferência pra outro posto de médico de família e eu me consultei duas vezes com a Dra K., uma senhorinha extremamente educada e gentil, nada invasiva; nem por um instante considerou a possibilidade de um exame de toque; nem na consulta de 38 semanas, nem na consulta de 39 semanas q foi na quinta-feira, véspera do meu parto. Então o pré-natal no SUS pra mim foi uma história de sucesso. Uma história que eu recomendo. Que a mulher que tem medo, que não sabe o que fazer: vai pro SUS! Procura no SUS. SUS é bancado pelos impostos que a gente paga. Os profissionais que estão lá vão ter o salário garantido, independente se seu plano paga bem ou paga mal. O objetivo deles é outro. A mentalidade deles é outra. Eles não estão com objetivo de produtividade. Eles não têm objetivo de fechar trocentas consultas pelo plano pra fazer valer a pena. Não tô dizendo que você sempre vai encontrar bons funcionários no SUS não. Pode ser que você encontre médicos ruins como médicos bons, mas a preocupação financeira deles ou o fato de não ter uma preocupação financeira, porque o salário deles no final do mês não vai mudar, se fizerem mais ou menos consultas - dá certo conforto, um alívio por saber que o profissional que está ali, ainda mais se for um profissional concursado, de carreira - quer fazer um trabalho bem feito. Ele não tá preocupado em pagar as contas no final do mês - diferente do médico do plano.

Então o pré-natal no SUS foi uma experiência pra mim muito positiva, uma experiência que eu recomendo, se a mulher tiver alguma dúvida, estiver insegura, pode fazer como eu fiz - faz os dois pré-natais simultâneos. Mas eu achei que foi legal. Foi bom pra mim. Foi uma experiência muito positiva. Faria de novo.

Ai quinta-feira de manhã tive a consulta no SUS. O meu tampão mucoso começou a descer eu acho que na segunda ou na terça-feira. Começou a sair aos pouquinhos. Senti pinçamentos - nossa, 3/4 semanas antes do parto eu já estava sentindo pinçamentos na virilha que irradiava pro quadril e pra panturrilha, às vezes pro pé. E na terça-feira Cátia deu a notícia de que o secretário municipal de saúde do RJ tinha proibido a atuação de doulas nos hospitais municipais. 

E ai foi quando meu marido e eu conversamos e a gente decidiu que eu não ia cair na mão de um açougueiro de novo. Fosse um açougueiro cesarista ou um açougueiro de parto “normal”. E ai a gente se viu diante daquelas opções que eu não queria no começo que era abrir falência. Ter um parto domiciliar, seja com parteira, seja com equipe médica, ou ter um parto hospitalar com equipe médica particular. Porque a essa altura do campeonato eu já tinha mandado Dra N. as favas, deixando bem claro pra ela que eu não voltaria ao consultório por causa da conduta e ela já deve estar bem chateada comigo inclusive.

Num primeiro momento a gente considerou um parto domiciliar com parteira. Tentamos falar com uma parteira - enf. M. - que eu acho que não levou muita fé na nossa necessidade... ela não acreditou talvez. Queria marcar um encontro pra sábado de manhã, num lugar público - não quis nem vir aqui em casa. Muito descaso - achei ela meio evasiva, vamos dizer assim.

Então a gente desistiu do PD e optamos pelo parto hospitalar com equipe particular. Ai Cátia indicou Dra L. que pediu pra que eu mandasse pela internet todos os exames e tudo que eu tivesse respectivo à gravidez, ao pré-natal, e marcou uma consulta domiciliar sexta 11h pra me conhecer. E ai passamos quinta nessa expectativa de conhecer a médica.

Eu já sentia muito desconforto, mas na quinta-feira eu me estressei e me aborreci muito, então acho que não prestei atenção aos sinais do meu corpo. Eu sei que sexta pela manhã eu acordei, meu filho acordou, e comecei a sentir que tinha um troço diferente - que tinha alguma coisa acontecendo. E ai como meu filho mais velho estava muito gripado... teve febre, secreção e tal... meu marido decidiu leva-lo pra casa da minha sogra. Eu fiquei com minhas irmãs. A obstetra chegaria às 11h, a Cátia viria um pouquinho antes - umas 10h/10h30. Ele foi e quando voltou eu já estava sentindo as contrações. Mas mais uma vez eu sem referência - sem critério de como avaliar. Eu sabia que estava tendo contração, mas não sabia como mensurar o tempo. Quem marcou foi meu marido que foi ficando preocupado e ai foi reportando pra Cátia como as coisas estavam andando e eu sentindo as contrações e já gemendo muito muito alto.

Quando a Cátia chegou já me encontrou em fase ativa de trabalho de parto bem avançado. Foi muito rápido... muito rápido. Logo depois Dra L chegou (com 1h/1h30 de diferença) e as coisas  estavam acontecendo num ritmo muito acelerado. Como elas vieram da direção que fica a maternidade e o trânsito estava muito pesado - era uma sexta-feira perto da hora do almoço - não daria tempo de me levar pro hospital... da gente chegar no hospital... por causa do trânsito mesmo - a obstetra chegou a conclusão de que nasceria aqui mesmo em casa.

A Cátia então entrou em contato com J, que é enfermeira e trouxe a estrutura pro caso de uma emergência e improvisamos o cenário de parto com o que tinha na casa: as toalhas, os lençóis. E então Valentina nasceu.

Como eu falei no começo: não é bonito, não é romântico... meu marido ligou o rádio pra colocar aquelas musiquinhas de fundo que você vê nos filmes, eu tirei o rádio da tomada porque eu não suportava ouvir som nenhum, eu queria que o mundo ficasse quieto, calado. Qualquer risada me incomodava, qualquer fala me incomodava, qualquer comentário me incomodava. Eu queria um silêncio absoluto.

O meu trabalho de parto foi relativamente curto, enquanto consciente de trabalho de parto. Durou o que - umas 06h? Das 08h à umas 14h? É... o trabalho de parto foi relativamente curto. E eu distribui algumas patadas... fui grosseira com algumas pessoas. Na verdade com algumas não, né... com as pessoas que eu mais amo. Com meu marido que ficou do meu lado 100% do tempo me dando suporte. Fui grosseira com as minhas irmãs que eu queria que estivessem aqui nesse momento importante; porque são minhas imãs... porque são mulheres... porque essa experiência pode proporcionar à elas um conhecimento que eu não tive no meu primeiro filho, e elas vão poder escolher no primeiro filho delas o que elas querem pra vida delas, qual experiência elas querem ter, o que elas querem guardar. Mas na hora a dor é muito grande e você realmente acha que não vai dar conta. A cabeça na verdade... seu corpo sabe o que tem que fazer. Quando você se entrega ao processo e, como disse a Cátia várias vezes, controla o pânico, se entrega ao processo, trabalha junto com seu bebê... quando você deixa o corpo fazer o que ele tem que fazer as coisas fluem. O medo, o pânico é que faz as coisas demorarem a acontecer. Não só o medo e o pânico da dor, mas o excesso de expectativa, o excesso de planejamento, o excesso de ansiedade. A gente expõe tanto a nossa vida, pela internet, pra amigos, no trabalho, pros colegas, que as pessoas ficam esperando. O próprio aguardar do trabalho de parto normal envolve muita expectativa porque as pessoas esperam uma data e você não tem uma data pra dar... você não tem o que dizer. E esse excesso de expectativa em torno de você é muito ruim - só atrapalha. Acho que nesse ponto, o fato do meu trabalho de parto ter sido relativamente rápido e da gente não ter ido pro hospital foi bom porque eu não tava condicionada. Eu não tinha escolhido uma posição - a posição que me escolheu na hora. Eu não tinha escolhido o lugar - o lugar que me escolheu na hora. As coisas foram simplesmente acontecendo. As pessoas foram chegando nos tempos que tinham que chegar. Mas dói... dói muito. Não tem música romântica de fundo. Você realmente acha que não vai dar conta. A hora que a contração vem, sua mente tenta trabalhar contra... tenta refrear a contração. A sua cabeça quer enrijecer outros músculos pra que o útero não faça o que tem que ser feito. É muito louco. É muito estranho. Você realmente precisa se entregar à dor. E a dor é grande! Ai vem a parte do expulsivo, quando a dilatação está completa, que também é assustador porque ai você tem outros medos e arde muito - parece que está pegando fogo.

Era muito engraçado porque vinha a contração do expulsivo pra Valentina sair, e eu no momento de fazer força e ai quando passava eu só pensava que não lacerasse e voltava a hora de fazer força, e quando passava eu pensava "não lacera... não lacera... não lacera".

As pessoas me perguntam se eu percebo que foram 06h de trabalho de parto e eu digo: "não"... porque eu vivi uma coisa de cada vez... uma contração de cada vez.

* A atuação das doulas nos hospitais municipais, estaduais e privados é motivo de polêmica em todo país

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